6.

Volta e meia aparecem por aqui uns marados a pedir a devolução das obras que deixaram cá.
Digo que não, não pode ser, é contra o regulamento.
Insistem, batem o pé, clamam o seu a seu dono.
Mostro-lhes o regulamento. Tenho vários exemplares do regulamento. Geralmente despedaçam o regulamento e atiram os bocadinhos pelo ar. Injuriam-me. Ofendem-me: na minha dignidade e no meu profissionalismo. Mas não me demovem.
É quando choram. Babam-se. Ajoelham-se, imploram.
Não dá. Não posso, não vêem?
Não, não vêem nada, estão cegos pela idéia fixa de levarem o que escreveram e sabe-se lá, dar-lhe o destino da fogueira.
O caso mais dramático que tive que resolver até hoje foi com um louco que me apanhou de surpresa. Depois de me ter convencido a mostrar-lhe o manuscrito, desatou a rasgar as páginas e a comê-las. Foi uma trabalheira! Tive que o agitar e virá-lo ao contrário, pelas pernas, de cabeça para baixo, sacudi-lo. Claro que o trabalho de reconstituír as folhas sobrou para mim.
Claro! O guarda-livros está cá para tudo! Até para estes trabalhinhos de merda!
Porque não lêem a porra do regulamento?
Não sabem que não há devoluções?
Pensam que isto é uma secção de Perdidos e Achados? Ou Achados e Perdidos?
Caramba! Respeitem quem trabalha!
Deve de haver uma maneira desta gente saber quais são as suas responsabilidades... Escritores!

Sem comentários: