44.

Gustave Flaubert tinha razão: Cuidado com a tristeza, ela é um vício.


Quanto mais triste me sinto, mais embrulhado nesta sensação solitária de gostar da minha pena, é um vício sim, um amar-me nesta inconsolável profissão em que me empresto aos outros e fico sem vida de mim próprio.


Tenho pena de mim. Quem mais podería ter? Não há mais ninguém. Só personagens que se soltam de páginas que substituíram o mundo dos vivos num tempo em que o escritor (também ele) se abandonou ao acto egoísta de viver por outros.


Por vezes perco a vontade de respirar.


Mas a campainha toca e o meu dever de Guarda-Livros alerta-me para as obrigações profissionais. Deixo a auto-comiseração para mais tarde...


Devería o escritor ser tão carrasco? Devería de haver alguém que escrevesse sobre mim, alguém que entendesse estas crises existenciais e as levasse a sério, realisticamente, que guardar os livros dos outros é condenação eterna.

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